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Carta para freira Paula (Lettre à soeur Paula, em português)

Carta para freira Paula

drapeau-portugal

(tradução em português : Monica POGGI)

 

Paula é uma freira missionária portuguesa da Comunidade dos Servidores do Evangelho. Ela tem 46 anos, mora e trabalha, atualmente, no Japão.

 

Foi uma amiga em comum, que deixou minhas coordenadas com freira Paula. Seu email de « entrada em contato » me pareceu rico de questões pertinentes em relação à posição da Igreja sobre a homossexualidade, tão revelador da ignorância e da febrilidade de muitos crentes, catolicos e praticantes, frente ao desejo homossexual, que eu decidi respondê-lo com demasiado tempo e cuidado.

 

A busca da Verdade desta mulher, bem como sua humidalde me tocaram.

 

Eis aqui seu email e em seguida minha tentativa de resposta :

 
 

« Caro Philippe, como vai ? Prazer em conhecê-lo, mesmo que seja por email. Sou missionária portuguesa da mesma comunidade que a Céline, Servidores do Evangelho. Me chamo Paula e moro no Japão. Acho que a Céline já lhe escreveu  à  propósito do assunto que me interpela neste momento. Vou explica-lo a situação. Se trata de um rapaz japonês que é católoco e que decidiu desde alguns meses deixar seu trabalho para refletir melhor sobre seu futuro. Porque durante o Caminho de Santiago de Compostela, ele se perguntou que talvez Deus o chamava para seguir a vocação sacerdotal. Ele ainda não tem certeza se seu lugar é entre nós, os Servidores do Evangelho, portanto ele nos pediu que o acompanhássemos no seu caminho de discernimento. Nós percebemos que mesmo que ele seja batizado desde sua infância (o que é raro no Japão, ja que a maioria é batizada quando adultos), ele tem dificuldades em confiar nos ensinamentos da Igreja e, às vezes, isso se torna um verdadeiro obstáculo para o aprofundamento da sua vocação. Quando eu o explico que, muitas vezes, é preciso distinguir entre a posição oficial da Igreja e a Pastoral, ele acha muito dificil de entender, porque isso parece hipocrisia .Ultimamente, ele duvidou sobre os ensinamentos da Igreja sobre a homossexualidade. Ele nos disse que não era homossexual e que  não conhece ninguém que fosse. Contudo, ele quer compreender o ensinamento da Igreja à esse respeito, caso contrário ele teme que quando se tornar padre, não consiga pôr em pratica o que a Igreja ensina e acabe por abandonar a vocação religiosa. Neste momento, ele está realmente começando a questionar sua vocação sacerdotal por causa disso. Ele tem lido comentários sobre a « Carta da Congregação para a Doutrina da Fé » sobre a pastoral à respeito de pessoas homossexuais e discorda com o posicionamento. Ele conclui que os comentários não refletem a misericórdia de Jesus. Isso seria portanto uma contradição com o Evangelho. Ele tampouco acha justo, à despeito dos homossexuais, que haja duas opções : a vida matrimonial e a castidade consagrada à Deus ; sabendo que para os homossexuais exista somente a castidade. Posto que eu  não sou homossexual, é verdadeiramente, dificil pra mim julgar. Eu me informei um pouco, mas  não sei qual opinião validar como justa. Confesso minha ignorância neste âmbito e por isso lhe peço ajuda. Já que você é homossexual e católico, será que poderia me responder essas perguntas ? Por exemplo, você está de acordo com : « A inclinação particular da pessoa homossexual constitui, no entanto, uma tendência, mais ou menos pronunciada, em direção à um comportamento, intrinsecamente mau, do posto de vista moral. É a razão pela qual a inclinação em si deve ser considerada como, objetivamente desordenada »? (segundo « Carta da Congregação para a Doutrina da Fé » sobre a pastoral à despeito de pessoas homossexuais). Isto é, para você a inclinação homossexual, é desordenada e você considera o comportamento homossexual intrinsecamente mau ? Para mim, é dificil de entender que sendo a homossexualidade uma estrutura da pessoa, mesmo que não sendo ela génética na maioria dos casos, seja algo de ruim e desordenado. Se eu for sincera, na minha ignorância, eu prefiriria que a homossexualidade pudesse ser mudada com alguma terapia e se tornasse heterosexualidade. Mas segundo o que li, em psicologia isso não é tolerado nem aconselhável mesmo se existe grupos que promovam chamando-a de conversão, correto ? Então, como você entende e vive sua orientação sexual? Com respeito à frase seguinte, da mesma carta, você concorda com esta afirmação? « Na realidade, é preciso também reconhecer naqueles que têm uma tendência homossexual a liberdade fundamental que caracteriza a pessoa humana e dá-lhe a sua dignidade particular. Devido a essa liberdade, como em toda rejeição do mal, o esforço humano, iluminado e sustentado pela graça de Deus, poderá lhes permitir de evitar toda atividade homossexual « Você acredita que uma pessoa homossexual pode evitar a atividade sexual e deve fazê-lo para seu próprio bem? Você concorda com a opção de castidade para todos os cristãos gays? Ou, você pensa que a Igreja deve ser mais aberta? Em que direção? Por exemplo, você pensa que a pastoral católica para os homossexuais deveria apoiar a fidelidade dos casais homossexuais, estáveis? Você tem uma experiência na Igreja, diferente da imagem que nós fazemos ao ler esta carta? Você também poderia me recomendar uma bibliografia que me informaria melhor sobre este assunto? Me permita mais uma pergunta: o que você acha dos casamentos entre homossexuais e a adoção de crianças por parte destes ? Peço desculpas pelo interrogatório. Isso reflete toda a minha ignorância sobre este assunto. Obrigada de todo meu coração pela sua cooperação. Aguardo noticias suas. Deus lhe abençoe. Paula« 

 
 

Querida Paula,

Finalmente, vou tentar responder por escrito ao teu email : ele me inspira muitas respostas que me parecem importantes de desenvolver, porque poderão servir à muitas outras pessoas além de ti. Poderemos discutir, de novo, por telefone se quiseres…e sobretudo se conseguirmos coordenar nossos compromissos.

 

Se não te importa, vou fazer uma espécie de leitura linear do teu e-mail para não perder o ritmo.

 

Me dizes que este rapaz « tem dificuldades em confiar nos ensinamentos da Igreja e às vezes isso se torna um verdadeiro obstáculo face ao aprofundamento de sua vocação ». Com medo de parecer um pouco ríspido e direto desde o início, eu acredito que não seja possível se comprometer no caminho sacerdotal sem amar profundamente a Igreja Católica, sem confiar inteiramente Nela, se a gente se deixa influenciar em demasiado pela reputação da mídia falaciosa e injuriosa que a esmaga com força neste momento (de como a Igreja seria « atrasada » em determinados assuntos, defasada com as mutações sociais e de espírito obtuso). A Igreja Católica é humana, defeituosa, mas apesar de tudo de inspiração divina : ela é portanto santificada, embora sua humanidade seja imunda. E isso não se deve pôr em dúvida ! A confiança requer algo de, necessariamente, arbitrário e cego, mas eu tive a oportunidade de experimentar muitas vezes a precisão da mensagem do Evangelho, mas também do Papa e da instituição do Vaticano. Por exemplo, partindo da homossexualidade, sempre confiei na mensagem um pouco abrupta e áspera do Catecismo da Igreja Católica. Me dizendo que a Igreja tinha razão sem ter ainda entendido o porquê, que eu entenderia mais adiante, que eu devia fazer minha própria investigação para encontrar outras palavras mais pessoais e compensar a brevidade do discurso eclesial. E, finalmente, hoje eu não me arrependo em absoluto de ter sido obstinado na minha cegueira ! Mesmo se eu não vivenciei os fatos como o Papa ou mesmo  São Paulo, mesmo se eu me apropriei da mensagem sobre a homossexualidade para humanizá-la ainda mais, eu  volto para a minha Igreja dando-a razão e sustentado-a em Suas posições. Ela viu com justiça em relação à hossexualidade, dizendo que os atos homossexuais eram intrinsecamente desordenados. Ela viu com justiça, pedindo pelo celibato continente (castidade). Ela viu com justiça expressando Sua desconfiança em relação aos casais homossexuais e ao desejo homossexual. E é alguém como eu, que estudou o assunto à fundo, através quatro livros e que passou 10 anos no mundo associativo homossexual e no « meio das bibas » que diz isso ! Não é um rapaz que exprime um opinião distanciada, por não conseguir assumir  nem sua homossexualidade nem o fato de abordá-la. A confiança na Igreja – que  não é absolutamente sinônimo de ausência de um olhar crítico nem submissão escolar à tudo que se diz –  jamais decepciona porque ela é profundamente justa e surpreendente, acredito. Sim, assumo cada vez mais fazer parte desta família que é a Igreja Católica e fico escandalizado que a maltratemos assim meu avô, porque ele teve coragem de dizer de viva voz o que deve ser a homossexualidade e sobre várias outras coisas além da moral sexual também. É quando a gente lê, diretamente, os textos e o que Bento XVI diz neles, que a gente se dá conta que nada existe da frustração que a mídia retrata. Ele está particularmente “ligado” nas atualidades.

 

« Quando eu o explico que muitas vezes é preciso distinguir entre a posição da Igreja e a Pastoral, ele acha isso dificil de entender, porque parece hipocrisia ». Na verdade, entendo que ele não possa receber este discurso dissociando a teoria da prática, a Igreja do alto e a Igreja de baixo (mesmo se eu percebo qual sentido você deu : o Vaticano é obrigado a impor um quadro moral, um discurso generalista, tudo sendo adaptado em seguida à cada caso, às exceções, às pessoas e às situações humanas imprevistas). É ,amplamente, louvável, que este rapaz se sinta constrangido diante da nossa tibieza ou de nossas próprias tentações de nos dessolidarizar de nossa Instituição para não assumir tudo que ela nos pede ou então da imagem negativa que Ela nos dá. Inconscientemente, isso quer  dizer que ele considera a Unidade da Igreja, que ele busca a Verdade, que ele deseja ardentemente a coerência dos discursos e dos atos, que ele quer desposar a Igreja na sua totalidade ou então nada disso tudo ! Talvez, ele precise conservar uma parte da beleza que contém sua revolta (isto é,  a busca da Verdade) e acatar, por outro lado,  o mistério da obediência. « Obedecer » significa « amar » quando a gente dá sua obediência ao bom mestre.

 

« Ultimamente, ele vem exprimindo dúvidas à respeito dos ensinamentos da Igreja sobre a homossexualidade. Ele nos disse que não é homossexual e que não conhece ninguém que seja. Contudo, ele quer compreender o ensinamento da Igreja à esse respeito, caso contrário ele teme que quando se tornar padre, ele não consiga pôr em pratica o que a Igreja ensina e acabe por abandonar a vocação religiosa. » Eu acho genial que este rapaz almeje tornar-se um ser tão inteiro, que ele ultrapasse suas fronteiras para pisar num terreno que ele não conhece ou pouco (o mundo homossexual), que ele queira estar no centro de um apostolado dentro e próximo da realidade do mundo. Parabenize-o e estimule-o a continuar a « xeretar » à nunca se intimidar ou assinar um contrato onde ele não conheça as cláusulas. Desde que ele aceite que a gente não pode dominar tudo ou adivinhar a inteligência de Deus.

 

«Neste momento, ele está realmente começando a questionar sua vocação sacerdotal por causa disso. Ele leu comentários sobre a « Carta da Congregação para a Doutrina da Fé » sobre a pastoral à respeito de pessoas homossexuais e discorda com o posicionamento. Ele conclui que os comentários não refletem a misericórdia de Jesus. Isso seria portanto uma contradição com o Evangelho. » Entendo a primeira reação dele. Esta aparente falta de abertura, não é tanto do conteúdo quanto da brevidade dos artigos desta « Carta da Congregação para a Doutrina da Fé ». E está claro que a mensagem da Igreja, mesmo se ela não é falsa, deve ser apurada, mais precisa, para ser mais amorosa. Pessoalmente, acho que  ainda não se trata da questão do desejo homossexual em si, nem a sua ligação com  o estupro. O garoto a quem você se refere  não deve esquecer que o amor ao próximo  não é um « sim » sem reservas, mas às vezes um «  não » e uma exigência estabelecida com firmeza. Jesus acolhe sempre o outro sem reservas, mas aos atos humanos com bastante reservas e exigências ! Porque Ele quer amar tanto quanto as pessoas amadas por este Amor. E porque Ele nos responsabiliza, nos põe diante de nossos limites humanos e nossa liberdade. Se a gente não valesse nada aos olhos Dele, Ele  não se daria ao sacrifício de se opor as nossas fantasias, por vezes bem intencionadas, de querer se passar por Ele. Ora, Jesus, não acolheu a mulher adúltera com um sorriso presunçoso e uma abertura de espírito relativista : Ele a ama, profundamente, e é por isso que diz à ela sem rodeios : « Vá e  não peques mais » Ele acolhe a pessoa mas recusa o pecado. Ele formula, de modo explícito, um pedido que condena o ato ainda que reerguendo a alma pecadora. É a razão pela qual eu acho a mensagem da Igreja sobre a homossexualidade exigente mas muito evangélica. É a amargura do cálice oferecido. Ele tampouco acha justo, à despeito dos homossexuais, que haja duas opções : a vida matrimonial e a castidade consagrada à Deus ; sabendo que para os homossexuais exista somente a castidade. Então, agora, sejamos claros nos termos. A castidade não é o equivalente da continência ou abstinência : ela tambem é vivida entre um casal heterossexual ou entre amigos, ou mesmo entre um artista e sua obra de arte. A castidade é essa justa distância que permete à relação, essa resitência à fusão destruidora. Em seguida, o apelo à continência para as pessoas homossexuais, verdade seja dita, ainda é um “esboço”. Eu mesmo, me questionei muito num dado momento, quando comecei a assumir meu desejo homossexual. Me encontrava assistindo  missas onde a condição homossexual não era abordada (tipo « Jornada anual para as vocações » ou o « Domingo para a família). Os padres, em suas homilias, propunham somente duas opções de vocações possíveis para seguir o Cristo : ou um casal de marido e mulher (que  não era adaptado ao meu caso), ou o celibato consagrado vivido no sacerdócio (que tambem  não era adaptado ao meu caso porque os seminários barravam os homessexuais). Naquela época, eu achava isso um pouco reduzido como raciocínio ; eu chorava e gritava dentro de mim ao Senhor : « Mas Senhor qual caminho nos resta, para nós homossexuais ??? Quais saidas de emergência??? Por que eu, tambem, não teria direito de amar, já que você me deu um coração para amar ? » Portanto, essa revolta não me fez abandonar a Igreja (minha fé era forte demais). Ao contrário, ela me deu o ímpeto de me questionar e de desbravar um novo caminho. E de quebra, com o passar do tempo, eu entendi que esta estrada restrita e estreita da continência proposta às pessoas homossexuais não tinha nada de uma condenação do Amor, mas precisamente de um pedido específico que reconhecia nossa singularidade, à nós, pessoas homossexuais, e também que ele representava o mesmo grau de dificuldade de viver que o matrimônio ou sacerdócio : ele implica a mesma renúncia, o mesmo inteiro dom de si, a mesma liberdade. Não é menos um caminho onde se pode realmente amar.  Não é o número de escolhas do qual dispomos que determina nosso grau de liberdade ou nossa felicidade, mas nossa entrega por inteiro à uma única pessoa, seja esta do sexo oposto ou de Jesus. E as pessoas homossexuais  não  são privadas de Jesus : elas são até mesmo, por causa dos limites impostos pelo desejo delas, mais especificamente destinadas para a « melhor parte ». Então porque elas reclamam ou choram por terem sido postas de lado, do modelo do Casal apresentado pela nossa sociedade ultra-erotizada como a única  estrutura do amor verdadeiro ? Pensando bem, a condição homossexual delas, as prepara diretamente e solidamente para as bodas reais celestes. É uma sorte pra elas serem de alguma forma encurraladas por um desejo convicto que elas não escolheram, ao dom total à pessoa de Jesus, já que elas  não são chamadas pela Igreja para viver algo diferente com outra pessoa. A Igreja lhes pede logo de cara, algo de grandioso, de completamente louco, no sentido humano, mas glorioso na Eternidade. Elas deveriam regozijar-se ! Tudo isso, portanto, só tem sentido na luz da fé e da Ressurreição. Não temas, Paula, suas impressões, suas opiniões ou seus juízos fundamentados. A homossexualidade é humana. Mesmo se todo mundo não a experimenta ela continua a pertencer à todo mundo e todos podemos discutir sobre ela – inclusive os padres « heterossexuais » ! Porque a reflexão sobre o Desejo concerne todos nós. A homossexualidade não é um assunto que pertence, especificamente, às pessoas homossexuais, embora a maioria delas finje não ouvir o que o mundo alheio tem de pertinente a dizer sobre os vários limites dos desejos delas. Temos o dever, como cristãos, de nos posicionar. E tenho visto pessoas « heterossexuais » tratar da homossexualidade com muito mais relevância e distância do que aqueles que não vêem um palmo diante do nariz e que se distanciam pouco deles mesmos ! Então, confie em você.

 

« Já que você é homossexual e católico, será que poderia me responder essas perguntas ? Por exemplo, você está de acordo com : « A inclinação particular da pessoa homossexual constitui, no entanto, uma tendência, mais ou menos pronunciada, em direção à um comportamento, intrinsecamente mau, do posto de vista moral. É a razão pela qual a inclinação em si deve ser considerada como, objetivamente desordenada »? (segundo « Carta da Congregação para a Doutrina da Fé » sobre a pastoral à despeito de pessoas homossexuais). Isto é, par o senhor a  inclinação homossexual, é desordenada e o senhor considera o comportamento homossexual intrinsecamente mau ? »  Sim, concordo com esses propósitos. Eles são explícitos, mas corretos. Tendo sido testemunho da desordem interior e exterior que provocava a justificação do desejo homossexual na vida das pessoas que à ele se submetiam cegamente como se se tratasse de um desejo que os definisse totalmente ou que era equivalente ao sentimento entre um   homem e uma mulher que se amam verdadeiramente ou entre um homem continente e Deus, eu posso dizer que concordo. Em seguida, acrescentaria a estes comentários minha análise por experiência própria. Eu identifiquei em obras homossexuais (filmes, romances, biografias, discursos vários sobre o assunto..) todas as ocorrências inconscientes que foram feitas à palavra « desordem » e elas são vastas ! (contudo, elas foram feitas por pessoas que defendiam a autenticidade do desejo homossexual  delas!) Da mesma forma, descrivi a natureza dispersante, isto é mais divisora do que unificadora, do desejo homossexual através do estudo de símbolos recorrentes nas ficções tratando da homossexualidade :rostos cortados em dois, corpos desmembrados, animais de duas cabeças, gêmeos, espelhos rachados,  vínculos esquizofrênicos, etc., enfim todas estas figuras simbólicas da divisão. Pra mim, essas imagens são uma linguagem do desejo homossexual, um impulso que conduz muito mais à dispersão onde a fantasia narcisista e as pulsões fazem a lei, ao invés da Realidade e da Verdade (o que não significa que eles sejam totalmente desconectados dessas duas últimas). Para mim, é dificil de entender que sendo a homossexualidade uma estrutura da pessoa, mesmo que não sendo ela génética na maioria dos casos, seja algo de ruim e desordenado. Se eu for sincera, na minha ignorância, eu prefiriria que a homossexualidade pudesse ser mudada com alguma terapia e se tornasse heterosexualidade. Mas segundo o que li, em psicologia isso não é tolerado nem aconselhável mesmo se existe grupos que promovam chamando-a de conversão, correto ? É verdade, que não é recomendável classificar a homossexualidade no campo da genética ou doenças, já que ela não é uma escolha pessoal. No entanto, mesmo se não tenho a pretensão de decidir entre o inato e o adquirido (para mim a homossexualidade continua sendo um enigma que não deve ser totalmente elucidado, à fim de permitir àquele que a vive a liberdade plena – para não transformá-la em destino – para não fazer dela uma patologia nem essencializar o desejo homossexual de forma à não dá-lo uma importância exagerada em relação ao individuo homossexual), tenho constatado que o desejo homossexual foi ao mesmo tempo a marca de uma ferida relacionada à um contexto de violência real (estupro, desprezo de si, desejo de ser o centro das atenções, isolamento, etc.) e também um revelador de coincidências e de terrenos férteis (determinantes ou não) marcados por uma ausência de desejo. Então, é claro que é preciso ser cauteloso quanto às terapias coletivas e à todas essas seitas que estigmatizam os “gays” e os reduzem ao seu desejo homossexual para melhor privá-los deste e assim criar a ilusão de uma milagrosa conversão à heterossexualidade. Pessoalmente, não acredito que isto seja possivel. Em parte porque não considero a orientação homossexual como determinante da integridade do individuo que a vive, nem como um mal absoluto. Além do mais, o que acontece à nivel da sexualidade é muito misterioso e profundo : acredito na mudança de orientação somente quando se trata de bissexuais. Tudo depende da profundidade da dominância homossexual em nós. Em suma, a ferida homossexual continua a ser um enigma do qual  não tenho a chave. Depois, todos nós temos algo em nós a ser curado … e é claro que o desejo homossexual, se a gente se entrega à ele, fere e indica uma fragilidade que deve ser levada em conta. Tenho visto, ao meu redor,  muitos homossexuais frustrados, temerosos, tímidos, com ódio de si, misantropos (declinado em misoginia ou misandria), baixa estima. Isto  não é específico do desejo homossexual (existem outros desejos dispersantes) mas ele é marcado por esta desordem.

 

« Então, como você entende e vive sua orientação sexual? » No momento em que escrevo estas linhas, tento vivê-la na continência. Depois de 29 anos de celibato completo, em seguida um ano e meio de experimentação da relação carnal homossexual com rapazes, retorno  lentamente mas seguramente à continência. De qualquer forma, mais confiante. Só o tempo e a alegria me confirmarão esta promessa. Mas, por ora, parece estar no bom caminho! Meu coração está ardente e mais ardente do que antes!

 

« Com respeito à frase seguinte, da mesma carta, você concorda com esta afirmação? ‘ »Na realidade, é preciso também reconhecer naqueles que têm uma tendência homossexual a liberdade fundamental que caracteriza a pessoa humana e dá-lhe a sua dignidade particular. Devido a essa liberdade, como em toda rejeição do mal, o esforço humano, iluminado e sustentado pela graça de Deus, poderá lhes permitir de evitar toda atividade homossexual « Você acredita que uma pessoa homossexual pode evitar a atividade sexual e deve fazê-lo para seu próprio bem? Você concorda com a opção de castidade para todos os cristãos gays? Ou, você pensa que a Igreja deve ser mais aberta ? Em que direção ? Por exemplo, você pensa que a pastoral católica para os homossexuais deveria apoiar a fidelidade dos casais homossexuais, estáveis? » Sim, concordo com a frase citada acima, porque acredito na força da ação de Deus em nós. Em seguida, esta ação não é nem espetacular (a gente não pede à um ferido de correr os 100 metros !), nem eufórica, nem um chamado ao matrimônio forçado, nem um encorajamento ao abandono do desejo homossexual. Pelo contrário, quanto mais nos aproximamos sem temor do desejo homossexual e do mundo gay para conhecê-lo e entendê-lo como funcionam, menos a gente corre o risco de se confundir com ele e de deixá-lo conduzir nossa existência. Se não, é evidente que incentivo o respeito de casais homossexuais e apóio a fidelidade entre eles sem se iludir quanto à sua fragilidade objetiva. Não há a idealizar o amor homossexual, porque ele possui limites (e não é só porque a sociedade o entrava ; é o desejo homossexual que, por natureza, é fraco e violento). Também não se deve retirar o qualificativo de « amor », porque mesmo se este é limitado, ele é, em raras ocasiões, o lugar de trocas de diferenças, de ternura, de compromisso sincero que a gente não deve menosprezar.

 

« Você tem uma experiência na Igreja, diferente da imagem que nós fazemos  ao ler esta carta? » Confesso que até agora, não encontrei nenhum casal homo que me entusiasme verdadeiramente (e olha que encontrei muitos!) Mas nunca se deve dizer nunca. Meu ceticismo não é obtuso. Se um dia me deparar com um casal homo que me pareça sólido e feliz à longo prazo, não hesitarei em me declarar. Diria que atualmente « pago pra ver » mesmo se ainda não estou convencido da força do amor homossexual  e que sei melhor por quê. Do ponto de vista da experiência da Igreja, propriamente dito, não encontrei verdadeiramente pessoas homossexuais que vivam uma combinação harmoniosa entre fé e homossexualidade : estejam elas tentando constituir uma « gay Church » mantendo uma distância da Igreja-Instituição (como na associação cristã David and Jonathan), seja eu cruzando com alguns rapazes isolados que reprimem sua homossexualidade na prática religiosa na qual eles calam suas inclinações (casos muito raros… E nesta penca há alguns eclesiásticos…)  Mas confesso que não conheci, até hoje, nenhum rapaz como eu que assumisse publicamente, ao mesmo tempo, sua pratica religiosa e sua homossexualidade.

 

No que concerne o acolhimento das pessoas homossexuais, ainda acho os padres, tímidos, até temerosos, em relação ao assunto. Isso os torna desajeitados, com tendência a julgar-nos.  A Igreja católica, neste âmbito, ainda sente dificuldades em abordar o assunto com determinação. Seria necessário uma formação, um discurso, uma voz ativa, sobre a qual se basear, para evitar as derrapagens e o distanciamento de determinadas pessoas da Igreja  por causa da questão homossexual.

 

« Você também poderia me recomendar uma bibliografia que me informaria melhor sobre este assunto? » Eu te recomendaria Xavier Thévenot, Jacques Arènes ou ainda Xavier Lacroix ; ou num registro mais profano e psicanálitico, Jean-Pierre Winter. Para mim são os melhores ! E é claro, meu próprio livro…;-)

 

« Me permita mais uma pergunta: o que você acha dos casamentos entre homossexuais e a adoção de crianças por parte destes ? » Justamente, falo disso nos meus ensaios. Em poucas palavras, não sou favorável nem ao casamento nem à adoção de crianças por parte de casais homossexuais. Nos dois casos é em nome do respeito da diferença dos sexos (que consolida o casamento do amor verdadeiro) e da realidade da família, que avanço esta opinião. Não basta que as crianças existam fisicamente ou que um casal seja constituído de um homem e uma mulher, para que o amor exista. É necessário que a diferença de sexos esteja presente mas também que ela seja coroada pelo desejo verdadeiro e livre entre dois seres diferentemente sexuados e em seguida podemos falar da chegada dos filhos, do amor e finalmente da família.

 

« Peço desculpas pelo interrogatório. Isso reflete toda a minha ignorância sobre este assunto. Obrigada de todo meu coração pela sua cooperação. Aguardo noticias suas. Deus lhe abençoe. Paula« 

 

Paula, gostaria de lhe agradecer calorosamente de me ter proporcionado esta ocasião, através seu email cheio de interrogações, de abordar problemáticas centrais sobre a homossexualidade. Suas perguntas denotam em você uma fé viva, justa, afiada, em movimento fértil. É ótimo ! Você fez as perguntas certas e me permitiu pôr palavras naquilo que me habita desde muito tempo  e de forma diferente do que imaginava.

 

Há dois anos, um padre idoso e amigo de minha família, me sugeriu, após leitura de meu livro, de escrever uma cartilha propondo um guia prático para o acolhimento de homossexuais na Igreja.

 

Tive a impressão que graças ao seu questionário, o desejo dele se realizou. É impressionante perceber o quanto o tema homossexual é fator de discórdia, de divisões internas/externas e de afastamento da Igreja. Já tinha até observado isso entre os jovens adultos ainda presentes em nossas igrejas. Você, portanto, tocou num assunto crucial. Obrigada à você.

 

De quebra, vou publicar este email que lhe envio e no site internet do meu livro. Você me autorizaria ? Que Deus, que é onipotência de Amor, lhe abençoe. Seu (desde já) irmão. Philippe.

 

Philippe Ariño